As linhas arteriais centrais são indispensáveis na cirurgia cardíaca pediátrica, garantindo monitoramento hemodinâmico em tempo real, coleta de amostras de sangue arterial e manejo perioperatório eficaz. Embora a artéria femoral tenha sido tradicionalmente o ponto de acesso preferencial, a crescente preocupação clínica com suas complicações associadas tem impulsionado o interesse por locais alternativos — principalmente a artéria axilar.
Um estudo retrospectivo recente de um único centro realizado por Zaleski e outros (2025), publicado em Anestesia e Analgesia, fornece o conjunto de dados mais abrangente até o momento sobre este tópico. Analisando 1,263 posicionamentos de cateteres arteriais no Hospital Infantil de Boston ao longo de uma década, o estudo compara as abordagens axilar e femoral em relação à segurança, taxas de complicações e tendências do procedimento. Os resultados são esclarecedores — e podem mudar a prática clínica.
Por que o acesso arterial central é importante na cirurgia cardíaca pediátrica
No delicado cenário da cirurgia cardíaca pediátrica, as linhas arteriais centrais servem como condutores vitais para:
- Monitoramento contínuo da pressão arterial
- Amostragem de gases no sangue arterial
- Avaliação hemodinâmica
- Detecção oportuna de eventos intraoperatórios
Entretanto, a escolha do local de acesso arterial pode influenciar profundamente o risco de complicações, particularmente em neonatos, bebês e crianças com comorbidades, como síndromes genéticas ou prematuridade.
Desenho do estudo
- Ambiente: Hospital Infantil de Boston
- Duração: Julho de 2012 - junho de 2022
- Pacientes: 1,135 pacientes de cirurgia cardíaca pediátrica
- Linhas Analisadas: 1,263 (195 axilares, 1,068 femorais)
- Resultado primário: Taxa de complicações (comprometimento vascular, perda de pulso, trombo, infecção)
- Resultados secundários: Fatores de risco para complicações, tendências de posicionamento de linha
Principais conclusões
Taxas de complicação
Por que a escolha do local arterial é importante: considerações anatômicas e fisiológicas
Artéria axilar:
- Circulação colateral robusta através das artérias subclávia e escapular
- Menos propenso à isquemia, mesmo em caso de obstrução temporária
- Evita a virilha, reduzindo o risco de infecção em pacientes com fraldas ou imóveis
Artéria femoral:
- Alto risco de eventos trombóticos, especialmente em pequenos vasos de neonatos
- A circulação colateral limitada aumenta o potencial de dano isquêmico
- A proximidade da virilha aumenta o risco de infecção em alguns pacientes pediátricos
Fatores de risco independentes para complicações
Para comprometimento vascular:
-
- Localização femoral (OR 4.16)
- Síndromes genéticas (OR 1.68)
- Prematuridade (OR 1.48)
- Maior tempo de anestesia (OU 1.17/hora)
- Cateter de tamanho maior (≥2.5 Fr)
Para perda de pulso:
-
- Localização femoral (OR 7.43)
- Síndromes genéticas (OR 1.86)
- Prematuridade (OR 1.65)
- Cateter tamanho 22 G (OR 3.26)
Fator de proteção:
-
- Tamanho maior do paciente (maior peso em kg)
Mudanças de tendências ao longo do tempo
Talvez um dos aspectos mais reveladores do estudo seja como a prática clínica evoluiu em resposta a essas descobertas.
Uso da linha axilar ao longo do tempo:
- 2012: 0% das linhas arteriais colocadas axilares
- 2022: 50% das linhas arteriais colocadas axilares
Isto reflete uma mudança de paradigma na confiança institucional quanto à colocação axilar como uma alternativa mais segura para acesso femoral.
Passo a passo: Melhores práticas para posicionamento da linha axilar
Dada a preferência emergente pelo acesso axilar, é essencial padronizar técnicas seguras e eficazes:
-
Avaliar a necessidade
- Determinar se o acesso arterial periférico não é viável
- Priorizar o acesso central em pacientes hemodinamicamente instáveis ou submetidos a cirurgias complexas
-
Selecione os pacientes apropriados
- Avalie para síndromes genéticas, prematuridade, e baixo peso
- As linhas axilares podem ser preferíveis em pacientes de alto risco
-
Use orientação por ultrassom
- Melhora significativamente a precisão
- Reduz perfurações acidentais, hematomas e deslocamentos
-
Escolha o tamanho correto do cateter
- Use cateteres 24G ou menores quando possível
- Evite cateteres de grande calibre em neonatos e bebês de baixo peso
-
Local de colocação ideal
- Inserir no segundo segmento da artéria axilar
- Esta região minimiza o risco para as estruturas neurovasculares adjacentes
-
Monitoramento pós-inserção
- Realizar verificações neurovasculares de hora em hora
- Monitorar a perfusão distal, o enchimento capilar e o movimento dos membros
Implicações clínicas
Este estudo fornece dados robustos que corroboram o acesso arterial axilar como uma alternativa mais segura à colocação femoral em cirurgia cardíaca pediátrica. Os resultados são especialmente relevantes para:
- Anestesiologistas realizando monitoramento intraoperatório
- Cirurgiões cardíacos pediátricos selecionando estratégias de acesso arterial
- Equipes de UTI gerenciamento de cuidados pós-operatórios
- Formuladores de políticas clínicas moldando diretrizes institucionais
Conclusão
O estudo de Zaleski et al. fornece evidências convincentes de que as linhas arteriais axilares são mais seguras do que as linhas femorais em cirurgia cardíaca pediátrica, com menores riscos de trombo, perda de pulso e comprometimento vascular.
Principais tópicos:
- O acesso femoral apresenta maior risco, principalmente em pacientes prematuros ou sindrômicos
- O acesso axilar oferece melhores resultados, principalmente quando realizado com ultrassom
- As tendências institucionais estão mudando, refletindo uma mudança na confiança clínica
- Os médicos devem reavaliar as estratégias de acesso para cada paciente
Esta pesquisa apoia um movimento baseado em evidências em direção ao acesso axilar como estratégia de primeira linha, particularmente em centros com altos volumes cirúrgicos pediátricos e equipes experientes.
Para mais informações, consulte o artigo completo em Anestesia e Analgesia.
Zaleski KL et al. Posicionamento de Cateter Arterial Central para Cirurgia Cardíaca Pediátrica: Uma Experiência de Centro Único. Anesth Analg. 2025;140:957-965.
Para mais destaques da literatura como este, Atualizações de anestesia pediátrica 2025 é o recurso para se manter atualizado em anestesia pediátrica!