
Coagulopatia associada ao câncer
Com o aumento constante das taxas de câncer e a melhora da sobrevida dos pacientes graças a terapias avançadas, os anestesiologistas encontram cada vez mais pacientes com distúrbios de coagulação relacionados ao câncer no ambiente cirúrgico. Esses pacientes enfrentam um risco elevado de complicações trombóticas e hemorrágicas, exigindo uma compreensão detalhada dos mecanismos da coagulopatia e estratégias perioperatórias personalizadas.
Uma revisão de Deshpande et al. analisa a complexa interação entre malignidade e coagulação.
Destaques da epidemiologia
- Aumento de 7 a 11x no risco de tromboembolia venosa (TEV) em pacientes com câncer.
- Taxa 3x maior de embolia pulmonar fatal (EP) em comparação a pacientes sem câncer.
- Certas doenças malignas (pancreáticas, pulmonares, ovarianas) apresentam risco particularmente alto de TVP.
- As neoplasias hematológicas apresentam o maior risco de sangramento (incidência de 30%).
- A coagulação intravascular disseminada (CID) ocorre em até:
- 10% dos tumores sólidos
- 20% dos cânceres hematológicos
Mecanismos
- Superexpressão do fator tecidual (FT): Ativa a via de coagulação extrínseca.
- Micropartículas (MPs): Liberado por células tumorais e sanguíneas; rico em FT e fosfolipídios procoagulantes.
- Armadilhas extracelulares de neutrófilos (NETs): Desencadeia a formação de coágulos e agregação plaquetária.
- Hipóxia e ativação de HIF-1α: Promove dano endotelial e aumento da expressão do FT.
- Superprodução de VEGF leva à angiogênese e à fragilidade vascular.
Manifestações clínicas
Distúrbios trombóticos
- TVP: TVP, EP, trombose de membros superiores (especialmente com linhas centrais).
- trombose arterial: Acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio; associado a neoplasias mieloproliferativas.
- TMA: Anemia hemolítica, trombocitopenia, disfunção renal.
- Doença Veno-Oclusiva (DVO): Insuficiência hepática pós-transplante.
- Endocardite trombótica não bacteriana (ETNB): Vegetações valvares com êmbolos sistêmicos.
Distúrbios hemorrágicos
- DIC: Apresentação dupla de trombose e sangramento.
- Trombocitopenia: Devido à quimioterapia, infiltração da medula óssea ou DIC.
- Doença de von Willebrand adquirida: Especialmente em cânceres hematológicos.
- Disfunção plaquetária induzida por medicamentos: Observado com ibrutinibe, terapias anti-VEGF.
Gerenciamento pré-operatório
Lista de verificação de avaliação pré-operatória
- Avalie o tipo e o estágio do câncer.
- Revise o histórico de tratamento: quimioterapia, radiação, imunoterapias.
- Verifique os exames laboratoriais de coagulação:
- Contagem de plaquetas
- PT/INR, PTT
- Dímero D
- Ensaio viscoelástico (TEG ou ROTEM)
- Avaliar estado funcional e comorbidades.
Estratificar risco com RAMs (Modelos de Avaliação de Risco):
- Pontuação de Khorana
- Caprini RAM (para pacientes cirúrgicos)
- COMPASS-CAT (para pacientes ambulatoriais com câncer)
Estratégia de anticoagulação
- Suspenda os DOACs (anticoagulantes orais diretos) 2–3 dias antes da cirurgia (por mais tempo se a função renal estiver comprometida).
- Pode ser necessária a ponte com HBPM (heparina de baixo peso molecular).
- Evite anestesia regional, a menos que o estado de coagulação seja corrigido conforme as diretrizes da ASRA (Sociedade Americana de Anestesia Regional).
Gestão intraoperatória
Melhores práticas
- Monitore com TEG/ROTEM para avaliar a eficiência da coagulação.
- Prepare para:
- Transfusão de plaquetas
- Crioprecipitado (para baixos níveis de fibrinogênio)
- Concentrados de complexo de protrombina (CCPs) de baixa dosagem
- Utilizar hemoderivados com leucócitos reduzidos ou irradiados em pacientes imunocomprometidos.
Emergências a serem observadas
- DIC (Coagulação Intravascular Disseminada): Tratar com transfusões direcionadas, concentrado de fibrinogênio e PCCs.
- EP (embolia pulmonar) aguda ou IM (infarto do miocárdio): Use ETE intraoperatório (ecocardiografia transesofágica); considere ECMO ou trombectomia, se indicado.
Gestão pós-operatória
orientações
- Inicie a tromboprofilaxia farmacológica assim que o sangramento estiver controlado.
- Continue a tromboprofilaxia por 4 semanas no pós-operatório em pacientes de alto risco (por exemplo, aqueles submetidos a grandes cirurgias pélvicas ou abdominais).
- Combine métodos mecânicos e farmacológicos sempre que possível.
Duração da profilaxia de TEV
Pontuação 5–8 (risco moderado):
- Continuar a profilaxia de TVP para 10 dias depois da cirurgia.
- Esses pacientes apresentam risco suficiente para justificar profilaxia prolongada além da internação hospitalar imediata.
Pontuação ≥ 9 (alto risco):
- Continuar a profilaxia de TVP para 30 dias pós-operatório.
- Esses pacientes apresentam risco significativamente elevado e se beneficiam de estratégias de prevenção prolongadas.
Impacto de agentes quimioterápicos comuns na coagulação e no risco hemostático
Considerações finais
A coagulopatia associada ao câncer é multifatorial, dinâmica e altamente individualizada. Com um cenário terapêutico em rápida evolução e um envelhecimento da população de pacientes, as equipes perioperatórias — especialmente os anestesiologistas — devem permanecer vigilantes e proativas no gerenciamento de riscos de sangramento e trombóticos.
Protocolos colaborativos baseados em evidências e ferramentas de avaliação em tempo real, como ROTEM/TEG são essenciais para melhorar os resultados nesta população vulnerável.
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